domingo, 13 de maio de 2012

Colóquio ilustrado sobre o breu


Organizados em um círculo de diâmetro 7, os senhores grisalhos se entreolhavam. Munidos com seus potentes óculos de aro redondo, réguas de precisão milimétrica e balanças super sensíveis, não sabiam por onde começar o exame do misterioso fenômeno.

“É preciso explicar as causas elementares disto.” Decretou o líder, de semblante fechado e dentes amarelos.

“Sim, mestre. Mas não há como catalogar todas as situações típico-ideais em que o fenômeno eclode. A sua origem é indeterminada. Parece que estamos lidando com um objeto a-histórico, extra-linguístico e, acreditem, ilógico.” Retrucou o ousadíssimo estudante.

“Homem de pouca fé no conhecimento!” Bradou outro. “Trata-se claramente de uma invenção do século XIX, marcada pela combinação entre  Sistema Capitalista, Urbanização Pós-Revolução Industrial e Cristianismo.”

Costas arqueadas e pontas dos dedos no queixo, o chefe soltou um muxoxo: “Grande bobagem. Obviamente não estamos lidando com o Romantismo pálido que tanto inspirou jovens sem juízo. Isto aqui não inclui glamourização do suicídio, onipresença da primeira pessoa do singular ou idealização da figura feminina.” E voltou a se recolher em sua caixa craniana.

Desconsiderada a primeira explicação, por eliminação via autoridade inquestionável, um homem pequenino desabafou. “Afinal, qual a sua função? Ora bolas, que finalidade prática o sujeito garante ao manifestar este tipo de comportamento? Não me parece uma escolha racional.”

“É claro que não. Agir assim é ingenuidade, conduta de gente cheia de superstições. Nós não entendemos isto exatamente porque o fenômeno não pode ser entendido, não é passível de sistematização. Não devemos sujar as mãos com tal primitivismo.” Concluiu o mais ancião de todos, ignorando o problema enquanto problema, propondo outras preocupações mais econômico-políticas.

O estudante, aventureiro e antenado com a pós-modernidade escorregadia, arriscou um pensamento abrupto: “há aí uma dimensão de desejo e afeto, vontade de vínculo, felicidade gratuita no gesto.”

A insatisfação se instalou na roda. A fala reverberou em inquietação e revolta. Onde já se viu, primeiramente, um reles bolsista sair proferindo teoria? E, ao fazê-lo, se fundamentar em conceitos tão débeis como “afeto” e “felicidade”? Mas, tudo bem, esses jovens são mesmo uns sonhadores desgovernados. Engraçado, até. Um dia eles aprendem.

Vencidos pela fadiga mental, os senhores resolveram – metodologicamente – encerrar a reunião. Uma cervejinha, pois, que é bom para relaxar. Rumaram para as mesas amarelas e decidiram mudar de assunto: sessão científica oficialmente encerrada. Silêncio improdutivo entre eles.  Inesperado feito borboleta azul, um homem enrugado até então entregue à serena instrospecção,  propôs um mote. “Hoje eu li Adélia Prado.” Depois deu um longo gole e mirou profundamente os olhos do garoto, que entendeu e não disfarçou o sorriso.


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