Não sei porque as pessoas odeiam o gerúndio. Professores de redação cortam com as suas canetas vermelhas, vertiginosas, os sinais cafonas de continuidade. Numa entrevista de emprego, dizem, evite expressões pavorosas como “estar fazendo”. É coisa de telemarketing. Fico pensando nas mulheres e homens que passam o dia todo sentados, apertando botões, repetindo mensagens publicitárias, escutando palavrões. E não gosto quando a palavra telemarketing é sublinhada por desprezo. Gerúndio, vocalizado por telefonistas ou não, é dizer bonito. Dentre os tempos verbais, o considero o mais metafísico. Aquele que dá conta do correr do rio, do encadeamento de instantes. Do devir, diriam alguns. Os outros tempos têm evidentemente a sua carga lírica. Mas já são demasiadamente defendidos. O presente jornalístico ou o passado bucólico não tocam nas ondulações do processo. Estar sendo, caminhando, comendo, apaixonando. Os limites somem. Quando começa? Quando termina? Difícil dar o veredicto, se o assunto é vida e tudo se mistura, pode voltar das margens, parte para ficar pulsante na memória. Prefiro, pois, o gerundismo.
Já escuto: mas é feio, longo. Esteticamente agressivo. Deixe-me ser menos clara, então. Defendo, mais do que a forma escrita – inspiradora dessas digressões deliciosamente inúteis –, uma postura em gerúndio perante o estilo encapsulado de viver que se ergue, austero, no ramerrame cotidiano. Não leve problemas pessoais para o trabalho, senhor. Não embaralhe emoções com cálculos, querido ser humano. Como se as experiências, compartimentadas em práticas embalagens plásticas, pudessem ficar separadinhas, mudas, esperando a autorização para emergir. Desacredito fervorosamente neste tipo de formulação. Gesto castrador ficar ordenando tudo. Ir arrancando pétala por pétala a possibilidade de fazer os momentos conversarem dentro da gente. O gerúndio, com sua simplicidade que irrita os mais parnasianos, espraia as ações. Conversamos ontem. Estamos conversando ainda. Conhecendo, inventando. Não é muito mais gostoso assim? Categórica, dogmática e quadrada, assevero: só há relações humanas no gerúndio.
"...só há relações humanas no gerúndio."...
ResponderExcluirGostaria que o Luiz Carlos lesse isso...
Mto lindo...
Ler textos como esses em meio a vivência de dias difíceis, nos faz acreditar que eles (nossos dias, nossas vidas) poderão ser melhores.
Beijos.
Fê.
Fico profundamente feliz em saber que gostou do texto, Fê.
ResponderExcluirAcho que ambas temos essa simpatia filosófica pelo gerundismo na vida.
Estou te abraçando! Assim mesmo: constantemente.